A alta adoção de stablecoins, criptomoedas com paridade a uma moeda como o dólar, lançou as bases para o crescimento da indústria cripto na Argentina, que, agora, se prepara para receber um marco regulatório que levará à formalização da indústria.
O país tem uma tradição cripto impulsionada por ser um meio de proteção contra a inflação cuja última variação anual foi de 193%, segundo seu Instituto Nacional de Estatística (Indec). Como um dos principais países em adoção de criptomoedas na América Latina, ocupa a 15ª posição no índice Chainalysis.
“Além do investimento especulativo, usos como pagamentos e proteção de valor têm valor social. Por exemplo, facilitar uma remessa, ajudar as pessoas a se defenderem contra a inflação”, afirma Hongyi Tang, gerente-regional para a América Latina da plataforma de ativos digitais Trubit. “Em geral, os legisladores não se importam com o investimento especulativo, porque é para um nicho e não é prioridade de nenhum país, mas essas contribuições ajudam a sociedade a aprender mais sobre o valor da criptografia”, acrescenta.
Nesse sentido, a Comissão Nacional de Valores Mobiliários (CNV) da Argentina publicou em março deste ano a Resolução Geral nº 994/2024, por meio da qual foi criado o Cadastro de Provedores de Serviços de Ativos Virtuais (PSAV). Adicionalmente, publicou também em outubro o projeto de Resolução Geral nº 1.025/2024 com os projetos de regulamentação com parâmetros e princípios que devem ser atendidos pelos PSAVs — para a prestação de seus serviços, que esteve aberto para comentários públicos até a semana passada.
Isto permite-nos antecipar que o regulamento entrará em vigor em 2025.
Proteção do usuário
O registo de exchanges e carteiras visa a cumprir as recomendações do Grupo de Ação Financeira (GAFI), que afirma que os países e as instituições financeiras devem compreender os riscos de lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo que podem surgir em duas áreas principais: novos produtos e práticas de negócios e novas tecnologias, como aquelas relacionadas a ativos virtuais.
Embora a regulamentação enfatize a proteção do consumidor e divida as atividades que devem ser registradas como PSAV em cinco categorias: troca entre ativos virtuais e moedas fiduciárias, troca entre uma ou mais formas de ativos virtuais, transferência dos mesmos, custódia e/ou administração de tokens ou instrumentos que permitam o seu controle e, por fim, participação e prestação de serviços financeiros relacionados à oferta ou venda de ativo digital por um emissor.
Segundo a plataforma de criptoativos Bitso, na Argentina, há uma preferência dos usuários pela compra de stablecoins, como USDC ou USDT, por serem ativos atrelados ao dólar, principalmente, para proteger os rendimentos e ativos da volatilidade, em vez de buscar retornos por meio de investimentos em bitcoins. A fintech destaca que o maior número de compras ocorre na primeira semana do mês, o que mostra que muitos adquirem criptomoedas quando recebem o salário
“Consideramos que a coordenação entre os setores público e privado é essencial para o desenvolvimento de políticas inclusivas que promovam a inovação e protejam os usuários. O desafio é continuar avançando em diferentes aspectos da regulação, como clareza e igualdade com outros atores do sistema financeiro da carga tributária”, comenta Carlos Peralta, líder de relações públicas da Bitso Argentina.
A empresa celebra o papel da regulação proativa para o setor, principalmente, pela visibilidade e qualidade que pode proporcionar à indústria. No entanto, Peralta identifica que o maior desafio é que isto não imponha um fardo excessivo que possa sufocar a inovação ou empurrar os usuários para plataformas não regulamentadas, com os riscos que isso acarreta.
“[O ideal é] ter uma regulação inteligente e articulada entre os diferentes órgãos do Estado, que cresce gradativamente com esta nova indústria, a fim de promover a adoção de ativos virtuais de forma segura, o que contribuirá para a inclusão financeira e a construção de uma infraestrutura financeira mais rápida e eficiente”, afirma Peralta.
Por sua vez, Tang, da Trubit, destaca o memento atual na região: além da adoção, as propostas pró-cripto de Donald Trump, presidente eleito dos Estados Unidos, e a valorização do bitcoin nas últimas semanas criaram um contexto para os governos tomarem um papel mais ativo.
“Vemos mais iniciativas regulatórias. Falar sobre isso não é mais um tabu, todo mundo entende mais ou menos do que cripto se trata. Existem outras economias avançadas que estão promovendo quadros regulamentares na União Europeia, Inglaterra, Hong Kong, Cingapura. Vemos que o governo Trump enviará bons sinais para o setor cripto globalmente; é uma tendência irreversível”, diz Tang.
Formalidade fiscal
No contexto da formalização do setor na Argentina, o órgão de fiscalização daquele país, a Agência de Arrecadação e Controle Aduaneiro (ARCA), modificou a Resolução Geral nº 3.537, aprovando o “Classificador de Atividades Econômicas”, que incluiu novas atividades digitais.
Com isso, a ARCA visa a identificar com precisão os contribuintes que devem pagar impostos pelas atividades em plataformas de comércio eletrônico, bem como por streaming. Além disso, contempla atividades relacionadas às criptomoedas como transação, custódia e mineração.
“Não é uma mudança tributária, mas, sim, um esclarecimento regulatório e mais um exemplo de como os reguladores estão se adaptando e a indústria está se formalizando a cada dia. A regulamentação está avançando gradualmente; claro que sempre pode ser aperfeiçoada e na área tributária ainda há muito a fazer para evitar distorções. Nesse sentido temos trabalhado e, junto com a Câmara [Fintech], trouxemos uma proposta ao governo nesse sentido”, afirma Peralta da Bitso.
Essas inclusões fiscais não afetarão os usuários.
Relação com a economia
Outro evento que está impulsionando a adoção e evolução regulatória do setor de criptomoedas na Argentina é a recente aprovação dos novos Certificados de Depósito Argentino (CEDEAR), instrumentos de renda variável listados na Bolsa de Valores de Buenos Aires e que irão replicar criptomoedas como bitcoin e ether. Além disso, estão sendo consideradas propostas regulatórias para tokenização, processo de representação de ativos reais por meio de tokens digitais em blockchain.
Este progresso também se reflete no volume de transações com stablecoins, que, na Argentina, equivale a 61,8% do total de transações com ativos digitais; um porcentual que coloca o país acima da média mundial de 44,7%, segundo dados da Chainalysis.
“Para alguns países, as stablecoins são utilizadas como um ativo de proteção contra riscos e inflação, devido às dificuldades de suas próprias moedas locais. Isso é especialmente visível na América Latina”, destaca Tang, gerente-regional da Trubit.
Neste contexto, uma análise realizada pela Chainalysis sobre o volume mensal de transações de stablecoin na Bitso e sua relação com o peso argentino revelou que, após a queda desta moeda abaixo de US$ 0,004 em julho de 2023, o valor mensal das transações de stablecoin aumentou para mais de US$ 1 milhão no mês seguinte. Enquanto, em dezembro de 2023, quando o peso argentino estava abaixo de US$ 0,002, o volume ultrapassava os US$ 10 milhões.
“Os usuários argentinos se destacam por serem os que mais optam por comprar cripto dólares na América Latina, pois veem as stablecoins como uma alternativa valiosa para os desafios econômicos do país”, afirma o líder de relações públicas da Bitso Argentina.