Quando Vanise Zimmer voltou da fundação de uma universidade feminina na Alemanha e começou a trabalhar nas favelas do Brasil, ela ficou impressionada com a visão das meninas: elas tinham poucas aspirações profissionais.
Ao mesmo tempo, como uma acadêmica que passou 20 anos pesquisando psicologia comportamental em tecnologia e gênero em serviços digitais, Zimmer sabia que, à medida que as carreiras e posições se tornam mais seniores e visíveis, o número de mulheres nelas diminui.
“A informática tem menos de 20 anos de idade e começou com uma grande proporção de mulheres. Na primeira aula de informática da Universidade de São Paulo (USP), de 20 alunos, 14 eram mulheres. No entanto, a proporção diminuiu à medida que a profissão ganhou reconhecimento”, diz ela à iupana.
Tais descobertas a levaram a estabelecer o ElasBank, uma fintech que tem o propósito de criar equidade de gênero e produtos financeiros adaptados para as mulheres. O ElasBank está em seus estágios iniciais e vem crescendo organicamente – a fintech não revela o número de clientes. A fintech funciona com base no banco aberto como um ecossistema, agregando uma variedade de serviços de investimento voltados para as mulheres. Utilizando robôs e inteligência artificial, o sistema simula uma carteira ideal para o perfil de cada cliente.
Ao mesmo tempo, a própria Zimmer está dando um exemplo – o de uma empresária em fintech – para que outras a sigam. Isso a posiciona em uma categoria importante, que ainda é pequena, mas crescente.
Apenas 5% das start-ups brasileiras foram fundadas por mulheres, de acordo com o Relatório de Fundadoras Femininas 2021, um estudo do Distrito Dataminer, B2Mamy e Endeavor, que considerou perto de 13.000 novas empresas.
Para a fintech especificamente, o quadro é ligeiramente mais cor-de-rosa: uma pesquisa da Associação Brasileira Fintechs, a ABFitnechs, em parceria com a PWC, mostrou que 42% das fintechs brasileiras no mercado há cinco anos ou mais tinham, pelo menos, uma mulher na equipe fundadora.
Serviços financeiros para mulheres, por mulheres
Incentivar mais mulheres a trabalhar nas finanças digitais – e ascender a papéis de liderança na indústria – tem implicações diretas no equilíbrio de gênero da força de trabalho.
Mas o mais importante é que, à medida que mais mulheres assumem papéis profissionais em serviços financeiros digitais, elas têm um efeito multiplicador.
Ao criar serviços financeiros focados nas necessidades do público feminino, as mulheres estão capacitando outras mulheres a assumir um maior controle de suas finanças. Ao fazer isso, as fintechs e bancos digitais como o ElasBank e o Jefa, do México, estão fechando uma enorme lacuna de mulheres e contribuindo para a inclusão de mais mulheres nos serviços financeiros. Ter a acessibilidade para abrir sua própria conta bancária significa muito para as mulheres que têm suas independências limitadas.
“Acho que temos aqui dois ângulos interessantes”, diz Maria Pulice, diretora de marketing – LatAm & Caribbean em Temenos. “Um é que as mulheres podem participar – e abraçar – o empreendedorismo lançando startups”. E o outro é que elas dão poder a outras mulheres para serem realmente mais independentes”, assinalou. “Estes tipos de fintechs que estão sendo iniciados para as mulheres estão dando poder a outras mulheres”, completou.
Dados da Temenos mostram que, no México, 35% das mulheres mudariam seu banco, se ele tivesse uma melhor oferta de serviços. E 17% acreditam que seu banco ainda não oferece os serviços digitais de que precisam.
Na Argentina, 25% das mulheres usam serviços bancários para seus próprios negócios e 60% delas dizem que o mais importante de um banco é que ele tenha serviços digitais e suporte 24 horas por dia, sete dias por semana. Na República Dominicana, 70% das mulheres esperam que seus bancos criem mais serviços digitais após a pandemia e 56% delas usam os serviços digitais de seus bancos para planejar suas finanças.
“Como esposas, mães e empreendedoras, as mulheres estão em movimento. Vemos pelas respostas que elas precisam de serviços bancários que sejam flexíveis o suficiente para que elas possam conciliar com bancar o modo como vivem – apertando em intervalos de cinco minutos, ou depois do horário de trabalho quando o dia de trabalho termina ou as crianças estão na cama”, diz Pulice.
Zimmer, mãe de três filhos, diz que seu objetivo é ajudar outras mulheres a abrir caminho para um futuro financeiro sustentável. “As mulheres não participam do debate sobre dinheiro e economia”, diz ela, observando que, após retornar da Alemanha, onde estava entre os fundadores de uma universidade voltada para as mulheres, ela decidiu estudar investimentos.
“Chamou minha atenção o fato de que quase não havia mulheres – e como elas pensavam de maneira diferente dos homens”, conta Zimmer. Junto com seu marido, que havia trabalhado em finanças por vários anos, ela começou a trabalhar no que culminaria no ElasBank.
“Existe uma relação de poder estabelecida nas relações financeiras e elas são mais arcaicas do que outras. As mulheres foram sexualmente libertadas, mas não cuidaram e lideraram suas finanças, nem se tornaram investidoras, nem para pagar contas ou empreender um negócio. Ainda somos muito limitados no campo financeiro”, avalia Zimmer.
Ponte para os serviços financeiros
Serviços financeiros é uma indústria que tem sido particularmente dominada por homens, com mulheres ocupando menos de 10% dos cargos seniores, observou a CFO do neobank mexicano Jefa, Malavika Chugh. “Na América Latina, no entanto, as mulheres estão se tornando líderes de fintechs, com cinco vezes mais fintechs sendo fundadas por mulheres do que a média global”, diz Chugh, acrescentando que, apesar disso, menos de 3% de todos os investimentos de capital de risco vão para empresas lideradas por mulheres.
“Fintechs e os serviços financeiros são indústrias que têm sido particularmente masculinas em cargos seniores. Acho que na América Latina, especificamente, as mulheres estão se tornando líderes de fintechs. Há cinco vezes mais mulheres fundadoras na América Latina do que a média global”, acrescenta a CFO.
De acordo com Chugh, as mulheres fundadoras de fintech aumentaram 1% do investimento total em fintechs nos últimos dez anos. A Jefa – a exemplo do ElasBank – está construindo um banco digital móvel para as mulheres.
“Essencialmente, existem 1,3 bilhãoões de mulheres no mundo que não têm uma conta bancária”, diz Chugh. Isso significa que elas não têm acesso ao crédito formal, nem à poupançaa poupança, e a nenhuma maneira de realmente aumentar sua riqueza.”. E, durante a pandemia, isso foi ainda mais destacado”.
Na fase beta, Jefa procura ir contra a tendência atual de startups fintech, a maioria delas fundadas por homens, para oferecer serviços projetados por homens e para homens. Por exemplo, diz a CFO, as mulheres gostam de ver opções antes de fazer uma escolha; as empresárias têm necessidades de crédito não atendidas e, muitas vezes, lutam até mesmo para abrir contas bancárias por causa da necessidade de ir a uma agência bancária física.
De acordo com a CFO, as mulheres respondem melhor quando lhes são dadas opções e elas são capazes de tomar a decisão que se empodera diretamente.
Jefa foi fundada há quase um ano por Emma Smith, que antes era cofundadora de uma empresa fintech na África. “Portanto, ela tem muita experiência em construir em economias que não têm muitos serviços financeiros digitais”, avalia Malavika Chugh. “E la viu que mais de 85% dos usuários eram homens e isso só levanta a questão de por que as mulheres não estão escolhendo serviços financeiros que são digitais?
“Foi isso que a levou a começar Jefa e hoje estaremos ajudando a expandir para o resto da América Latina e do Caribe”, acrescenta a CFO.
Jefas espera lançar publicamente até dezembro.
Iniciativas que importam
Ter mulheres na liderança encoraja outras a seguir o caminho. Zimmer aponta que, nas instituições financeiras tradicionais, as mulheres representam menos de 30% da força de trabalho e a porcentagem é ainda menor quando se considera cargos de gerência.
O Banco C6 tem duas iniciativas com o objetivo de reduzir esta diferença de gênero. O banco brasileiro estabeleceu um compromisso interno para aumentar a porcentagem de mulheres em cargos de liderança e assegurar que, nos processos de seleção para a alta administração, haja proporções iguais de candidatos masculinos e femininos. Atualmente, cerca de 35% da força de trabalho é composta por mulheres.
Com este esforço, o Banco C6 procura seguir as melhores práticas do mercado e seguir o movimento de igualdade de gênero proposto pelo Pacto Global da ONU, que incentiva as empresas a garantir a participação plena e efetiva das mulheres em todos os níveis de tomada de decisão e em todas as esferas da sociedade.
O C6 lançou uma iniciativa de mentoria feminina liderada por Daniela Vieira, que também é responsável pela garantia de qualidade de software. O programa começou em março de 2021. “Há uma falta de mulheres na tecnologia, não só no C6, mas em geral e, se você olhar bem fundo, isso é maior no setor financeiro. Se as mulheres não se formarem em TI, não as teremos no espaço de trabalho”, diz Vieira.
Ao desenvolver o programa piloto, o objetivo era oferecer orientação a 15 mulheres, mas acabou reunindo 50 pessoas de 16 a 37 anos de idade. “Foi uma surpresa muito agradável de ambos os lados: de pessoas do C6 dispostas a serem mentoras e um enorme interesse das meninas”, conta Vieira. Trata-se de um programa de aconselhamento profissional de quatro meses, no qual cada mentor conduz sete reuniões (virtualmente, devido à pandemia) para compartilhar experiências e dar conselhos de carreira, assim como uma oficina em grupo.
Por conta própria, Vieira também criou uma iniciativa chamada Test Girl. Quando ela começou, em 2017, o projeto tinha como objetivo ensinar as meninas a codificar. Ele se expandiu para se tornar uma reunião mensal com oficinas e palestras para ajudar as meninas a conquistarem o espaço de TI.
O projeto ataca um dos maiores desafios que a Zimmer identifica para as mulheres nos serviços financeiros digitais: a confiança.
“As mulheres têm dificuldade em confiar em sua capacidade e em acreditar em sua competência para estar na área de Steam [sigla, em inglês, para ciência, tecnologia, engenharia, artes e matemática]”, avalia Vieira.
Os ventos da mudança estão soprando. “As mulheres têm que abraçar seu próprio destino e explorar este mundo de prestação de serviços para as mulheres, que é um segmento ainda inexplorado”. Acredito que mais e mais mulheres abraçarão isto”, diz Zimmer.