O banco peruano BCP está usando inteligência artificial generativa (GenAI, na sigla em inglês) para reduzir em até 28% o tempo que seu departamento de desenvolvimento gasta codificando aplicativos. Apesar disso, o uso da ferramenta tem gerado atritos entre a equipe, que ainda não confia totalmente nela.
E, diante do consenso de que a GenAI permitirá a evolução das finanças digitais, líderes do sistema peruano, como o BCP, sua controladora Credicorp, o Santander, a Caja Piura e a cooperativa Dile, reconhecem que para que isso aconteça ainda é preciso superar os obstáculos, as dores e os desafios da adoção desta tecnologia de forma transversal e massiva.
Miluska Bravo, líder de engenharia de software do BCP, explica que “uma das barreiras que enfrentamos na adoção da IA é a resistência à mudança”.
“Os engenheiros mais experientes são os que mais resistem a usá-la”, acrescentou em participação da Mesa Redonda Executiva organizada em Lima, Peru, pela iupana. “Não se trata apenas de fazer belas comunicações ou publicações, mas de investir tempo acompanhando os engenheiros no uso correto da IA: saber fazer as perguntas certas para receber as respostas certas.”
O banco vem implementando seu programa GenAI em desenvolvimento de software desde julho do ano passado. Eles começaram com 50 engenheiros na equipe usando o Github Copilot, que permite o preenchimento automático de código. Agora, eles estenderam o teste para 1.000 desenvolvedores.
A experiência ilustra alguns dos desafios que as instituições financeiras devem superar para obter o verdadeiro potencial das soluções de aprendizagem avançada, não só nos processos de design da plataforma, mas também para os usuários.
O BBVA e o BCP, com os seus assistentes virtuais Blue e Clara, respectivamente, observam que os primeiros avanços tangíveis da GenAI nas finanças estão na melhoria da interação e do serviço ao cliente.
Em busca do Santo Graal: produtos com GenAI
Olhando para os próximos anos, os participantes do painel concordaram que o desenvolvimento e a expansão de produtos complexos, como o crédito, com GenAI ainda estão pendentes.
“Todo mundo busca o Santo Graal: como podemos usar técnicas avançadas, inteligência artificial, para determinar quem vai pagar bem ou não, se não houver histórico de crédito”, observa André Morales, gerente-geral da cooperativa Dile, uma instituição financeira regulamentada no Peru que se concentra em pequenas empresas.
Pelo menos metade dos trabalhadores da América Latina estão no setor informal, com países como o Peru (73,6%) e a Bolívia (80,8%) apresentando as taxas mais elevadas, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho. Esta realidade abre uma oportunidade para recolher dados não convencionais dispersos em muitas fontes (como pagamentos de serviços ou informações de sistemas de segurança social) e criar pontuações de crédito apoiadas pela extensa capacidade de análise da GenAI.
No entanto, levará algum tempo até que os motores sejam devidamente treinados para se afastarem de resultados tendenciosos ou não factuais.
Morales destaca que a verdade é que até agora a cooperativa conseguiu avançar no mercado peruano com um modelo híbrido, processando os pedidos de empréstimos de micro, pequenas e médias empresas (MPMEs) em regiões como Cusco e Puno de forma digital e manual.
“As microfinanças são tratadas de uma forma muito tradicional [...]. Na verdade, o trabalho do consultor, do oficial de crédito, é montar a situação financeira de uma pequena empresa”, revela Morales.
O problema dos dados
Em parte, a eficácia da GenAI baseia-se na qualidade dos dados que utiliza como matéria-prima. Portanto, é crucial ter informação real, variada e adequada, especialmente, nas fases de testes, base para a eficácia do modelo.
“O desafio está orientado à geração de dados de teste”, alerta Bravo, do BCP. À medida que mais alterações são feitas nos aplicativos, aumenta a necessidade de dados válidos, exigindo que eles sejam criados, atualizados ou depurados. “Existem ferramentas no mercado que podem ajudar nisso, mas é algo que temos explorado para otimizar”, acrescenta.
O investimento em inteligência artificial não é um tema apenas dos bancos. Segundo pesquisa da Gartner, consultoria de tecnologia, 92% das empresas globais planejam investir em IA este ano.
Santiago Urrizola, CEO da FluxIT, empresa que desenvolve software para bancos e fintechs como Banco Galicia e ICBC, obteve avanços promissores na gestão de dados e processos. A integração de GenAI em motores de avaliação e análise otimizou a venda cruzada de produtos.
“Fizemos projetos superinteressantes com bancos na Argentina, onde agrupamos clientes em clusters com base em comportamento dinâmico para venda cruzada de produtos para clientes com comportamento semelhante”, destaca o CEO.
Todas essas estratégias fazem mais sentido dentro das novas modalidades de serviços financeiros, como o banco embutido ou open finance, esquemas que reúnem indústrias de diferentes ramos para oferecer experiências comerciais de ponta a ponta: marketing, promoção, vendas, pagamento, crédito e envio, na mesma plataforma.
Óscar Castillo, que até julho era líder de estratégia de produto e negócios na Superdigital do Santander Peru, acredita que as finanças embutidas ainda têm um longo caminho a percorrer. Como exemplo, detalhou que participou da integração com uma empresa de cosméticos, que não especificou, mas que gerou “um ecossistema virtuoso para ambos os parceiros”.
Finalmente, resta saber em que pontos de encontro todas estas tecnologias, como APIs ou IA, coexistem com outras ferramentas emergentes, como a internet das coisas (IoT) ou o blockchain que, embora tenha demonstrado as suas vantagens de rastreamento e transparência, ainda carece de casos de uso do inicio ao fim, como alertou o Banco BCI, do Chile, a este meio.
Jesús Enciso, vice-chefe de transformação tecnológica da Caja Piura, vê oportunidades de uso do blockchain, porque cria condições para uma interação financeira “controlada, segura e rastreável”.
“Os registos de dados nestas plataformas podem ser consultados por qualquer entidade”, conclui.