O negócio de créditos de carbono promete crescer, alinhado com as metas de países e empresas de limitar suas emissões poluentes e atingir suas metas sustentáveis. E esse é o objetivo do Banco do Brasil (BB), o segundo maior do país, que está ampliando a emissão e comercialização de créditos de CO² em vista de uma imensa oportunidade.
Os créditos de carbono são instrumentos de dívida dedicados a reduzir, capturar ou evitar as emissões de gases de efeito estufa. O capital arrecadado em suas colocações é investido em projetos que buscam mitigar os efeitos adversos das dispersões, por meio de planos de reflorestamento, proteção de ecossistemas sensíveis ou incentivo à agricultura limpa.
Eles também são um exemplo de como os bancos e fintechs latino-americanos estão usando a tecnologia para diversificar suas ofertas e simplificar o acesso do usuário a esses instrumentos em expansão, ao mesmo tempo em que atendem às suas próprias agendas de sustentabilidade.
O Banco do Brasil explicou, em entrevista à iupana, que atua em três modalidades nessa vertical. A primeira é a originação. Para isso, em parceria com proprietários de áreas florestais e de cultivo, e junto a uma terceira entidade que certifica a potencialidade da terra e sua equivalência de CO², utiliza dados georreferenciados para avaliar áreas rurais e determinar seu potencial de investimento.
Numa primeira fase, a entidade trabalha numa dezena de projectos equivalentes a 2,5 milhões de toneladas de carbono (cada tonelada de dióxido de carbono constitui um crédito). Em 30 anos, a expectativa é atingir entre 3 bilhões e 700 milhões de toneladas, negociáveis em um mercado que tem apresentado aumentos sustentados nos últimos anos.
“Para o Banco do Brasil, o mercado de crédito de carbono é importante, porque somos o principal financiador da agricultura no Brasil e também um dos principais financiadores de órgãos públicos, como prefeituras e estados”, explicou o vice-presidente de governança e sustentabilidade empresarial da BB, José Ricardo Sasseron.
Assim, a instituição está aproveitando seu conhecimento da extensa agroindústria brasileira para identificar projetos potenciais. Dessa forma, se um cliente do banco com cultivo de cana-de-açúcar ou soja quiser preservar uma área de mata dentro de sua propriedade, poderá solicitar a certificação e posterior titulação. O banco usa o padrão Verra, amplamente utilizado em mercados voluntários de carbono, para quantificar as toneladas de dióxido de carbono que um pedaço de terra representa.
A outra linha é a comercialização dos papéis nos mercados local e internacional. O capital angariado é dividido entre o banco, o proprietário do terreno e a entidade que faz a certificação. A terceira área de atuação é assessorar grupos empresariais que queiram medir suas emissões e cumprir objetivos ESG (critérios ambientais, sociais e de boa governança). O interesse dos bancos é visível.
O Itaú Unibanco recebeu, em fevereiro, a aprovação do Banco Central do Brasil para a aquisição de participação na Carbonplace, rede de comercialização de créditos de carbono formada exclusivamente por bancos. A plataforma levantou US$ 45 milhões em uma rodada de investimentos aportada pelos nove bancos fundadores da fintech: BBVA, BNP Paribas, CIBC, Itaú Unibanco, National Australia Bank, NatWest, Standard Chartered, SMBC e UBS.
Em nota, María Belén Losada, diretora de desenvolvimento de novos negócios para mercados do Itaú Unibanco, afirmou que “o Brasil é um dos maiores produtores de créditos de carbono do mundo, enquanto a demanda está concentrada nos países do hemisfério Norte. Assim, a plataforma oferecerá aos nossos clientes uma rede de conexões internacionais, com acesso a compradores e vendedores em todo o mundo”.
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Bancos e fintechs buscam títulos verdes
Esse interesse não é acidental. O valor do mercado de dívida sustentável fechou 2022 com preços recordes. Segundo a Refinity, plataforma de análise financeira, o volume de negócios global do mercado de carbono (ou seja, o número de transações multiplicado pelo seu preço) aumentou cerca de 14% face a 2021.
Nesse contexto, o Brasil tem se posicionado como líder natural e foco de oportunidades de descarbonização, devido à sua vasta reserva natural.
A segunda edição do estudo “Oportunidades para o Brasil em Créditos de Carbono”, realizado pela Câmara de Comércio Internacional (ICC) no Brasil em parceria com a WayCarbon, publicada em outubro de 2022, apontou um aumento no potencial de transação desses obrigações de até US$ 120 bilhões em 2030, acima dos US$ 100 bilhões estimados em 2021.
Além disso, ele destacou que a participação brasileira na oferta de créditos mundiais cresceu entre 2019 e 2021 de 3% para 12%.
Esses movimentos ambiciosos são apoiados pela iniciativa "Race to Zero" da ONU sobre mudanças climáticas, que busca incentivar Estados, empresas, investidores e instituições civis a atingir emissões líquidas zero de carbono em 2050. E, como nem todos conseguem, recorrem ao mercado de crédito verde para compensar seu impacto, por meio da aquisição de Certificados de Emissões Reduzidas (CERs), que equivalem a uma tonelada de dióxido de carbono economizado para o planeta.
O negócio também está sendo explorado por fintechs como a Moss, fundada em 2020. Segundo sua CPO (chief product officer), Cláudia Backes, um dos desafios é democratizar o acesso aos instrumentos, sejam privados ou corporativos. “O Brasil é o maior mercado para a oferta de créditos de carbono. Existe um mercado gigantesco que hoje funciona por pressão dos stakeholders”, apontou para iupana.
A Moss também atua em várias frentes: realiza inventários para empresas calcularem suas emissões de carbono e presta serviços de compensação. Também permite que as pessoas comprem opções para compensar o impacto, por exemplo, de suas viagens com a companhia aérea brasileira Gol. Além disso, possui créditos de carbono tokenizados (MCO2) usando blockchain.
Com recursos obtidos, a fintech apoia projetos de conservação da Floresta Amazônica e desenvolvimento das comunidades. “Nos posicionamos como climatech, que são startups que usam a tecnologia para combater a crise climática. Mas, no fim, somos todos fintechs, porque queremos trazer a lógica financeira para a floresta para que ela valha mais em pé do que desmatada”, destacou a CPO.
A Moss atua com o desafio de evitar o desmatamento. "Mais de 60% dos fatores de emissão no Brasil são provenientes do desmatamento", diz a executiva.
No entanto, Backes reconhece que as pessoas ainda não estão adotando iniciativas de pegada de carbono em massa. Em palestra recente, executivos das companhias aéreas Gol e Azul, duas das maiores do país, disseram que a maioria dos passageiros ainda não está disposta a pagar para compensar as emissões de seus voos.
A Gol fez parceria com a Moss em 2021, enquanto a Azul anunciou uma parceria semelhante este ano com a empresa de tecnologia climática CHOOOSE.
A questão da regulamentação
Existem dois tipos de mercados globais de crédito de carbono: regulamentados e voluntários. A diferença básica é que o regulado tem regras definidas por governos ou entidades internacionais para, por exemplo, estabelecer quantas emissões um setor industrial pode gerar. A Europa representa o melhor exemplo desta operação.
No Brasil, existe apenas um mercado voluntário, apesar de haver um consenso que indica que a transação regulada de obrigações proporciona maior segurança jurídica a todos os participantes. Nesse sentido, uma das recomendações do relatório da ICC para o governo brasileiro é criar definições claras para que se estabeleça uma venda fiscalizada de papel.
“Para ter um mercado regulado, é preciso legislação e regulamentação. No momento, isso está na agenda do Governo Federal e estamos aguardando. A expectativa é que haja regulamentação até o final deste governo, talvez apresentando na COP-30”, adiantou o vice-presidente do Banco do Brasil, referindo-se à reunião da ONU sobre o clima que será realizada em 2025 na Amazônia brasileira .
Nesse sentido, existe o PL nº 412, de 2022, que está em tramitação legislativa e foi aprovado em novembro do ano passado pela Comissão de Assuntos Econômicos. Propõe a regulamentação do mercado brasileiro de redução de emissões (MBRE). Há também vários decretos presidenciais lançados em junho que buscam combater as mudanças climáticas.
Por outro lado, a Lei 14.590/23, de maio deste ano, sobre manejo de florestas públicas para produção sustentável, também apontou regras para o manejo de áreas florestais para, entre outros pontos, permitir a exploração sustentável de atividades não madeireiras e uso na comercialização de créditos de carbono.
A Lei também permitiu ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) autorizar outros agentes financeiros ou fintechs, públicos ou privados, a atuar em operações de financiamento com recursos do Fundo Nacional de Mudança do Clima (FNMC), desde que os riscos envolvidos sejam assumidos por esses agentes financeiros. Antes, o BNDES, que administra o fundo, só podia credenciar o Banco do Brasil, a Caixa e outros bancos públicos para trabalhar com o FNMC.
“Se tivermos um mercado regulado, vai crescer muito, porque temos uma das maiores áreas de cultivo e preservação do mundo. Então teria um grande impacto no mercado de carbono e também na matriz energética limpa”, disse Sasseron, do BB.