O Brasil é um gigante do agronegócio, mas, para que o motor agrícola não pare, é preciso financiamento. Aproveitando essa necessidade, um número crescente de agfintechs está tentando modernizar o serviço de empréstimos agrícolas.
Essas startups atuam de diversas formas: seja conectando quem precisa de investimento com quem tem recursos, seja prestando serviços para modernizar o financiamento ou disponibilizando tecnologias que permitam um melhor monitoramento das lavouras via satélite, como forma de gerar dados automatizados para alimentar históricos.
Atualmente, a maioria dos créditos para o setor vem do Plano Safra, programa do governo federal para fomento à produção rural brasileira, por meio de investimentos na industrialização e comercialização de produtos agrícolas e pecuários. No entanto, o Plano Safra — que para o ciclo 2023-2024 totaliza R$ 364 bilhões, 26,8% a mais do que o previsto no plano anterior — não será suficiente para fornecer todo o crédito de que esse setor precisa.
“Cerca de 30% dos recursos solicitados serão captados via Plano Safra; outros 30% são produtores capitalizados e cerca de 40% são recursos provenientes de instituições privadas, como bancos, fornecedores de insumos etc”, explica Mariana Silveira Bonora, diretora-executiva da associação comercial ABFintechs e CEO da Bart Digital, fintech de digitalização de financiamento agrícola.
A expansão do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre de 2023 foi, em parte, impulsionada pela agropecuária. Nos primeiros três meses, o PIB do Brasil somou R$ 2,6 trilhões, um aumento de 4% em relação ao mesmo período de 2022 e de 1,9% em relação ao quarto trimestre de 2022. O resultado reflete a forte expansão da agropecuária, uma vez que o PIB agrícola registou um aumento de 18,8% em termos homólogos.
Nesse contexto, a criação e a expansão de fintechs de serviços agrícolas estão ligadas ao aumento da digitalização de um setor que entrou na transformação mais tarde do que outras indústrias.
Um caso de uso que está ganhando força é a digitalização de contas a receber. No agronegócio, é muito comum o produtor obter recursos das empresas fornecedoras. Ou seja, compram os insumos e se comprometem a pagar no final da safra — ou por meio de algum outro acordo particular entre as partes. “Quando o mercado de capitais começou a aquecer, as ofertas de títulos de dívida começaram a ser transferidas para a bolsa. Os fornecedores originam dívidas, que são contas a receber, e estas são transferidas para as operações, levadas ao mercado de capitais para captação de recursos”, detalha Bonora.
Segundo ela, a Associação Brasileira de Fintechs tem cerca de 30 agfintechs associadas, sendo 12 para financiamento (concessão de crédito ao campo), oito para análise de risco e as demais bastante fragmentadas. A perspectiva otimista também é vista em sua própria fintech. A previsão da Bart Digital é fechar 2023 com um volume de créditos digitais 100% acima de 2022.
Altas expectativas
O futuro parece promissor. Segundo Bonora, da ABFintechs, os recursos públicos são insuficientes para suprir tudo o que o agronegócio precisa, então, o próprio governo tem aberto caminho para que o setor reduza a dependência em aportes públicos.
“Há muitos anos, há um processo de preencher a lacuna do crédito agrícola e tirá-lo do governo, porque ele não tem recursos suficientes e a demanda por crédito é o dobro. Há esforços do mercado de capitais para isso”, acrescenta Alex Kalef, diretor-executivo da AgroPermuta.
Mas, para isso, é preciso conhecer bem o setor: como estão as lavouras, o fluxo de cada safra, seja soja, café ou milho, entre outras. A chave para as agfintechs é usar a tecnologia para desenvolver modelos de crédito personalizados.
“A maioria das agfintechs toma a decisão de conceder crédito para insumos ou para bens duráveis. Não é algo que eles tenham que fazer, mas é inevitável fazer, porque os modelos de negócios são diferentes”, diz Kalef.
Fundada em 2020, a AgroPermuta oferece financiamento aos produtores rurais de milho e soja para aquisição de máquinas e implementos agrícolas e sistemas de irrigação, armazenamento e energia solar fotovoltaica. Kalef explicou que a empresa possui um modelo tecnológico que inclui análise da capacidade de crédito de potenciais devedores, sua produtividade e potencial de renda.
A AgroPermuta calcula uma demanda de cerca de R$ 650 milhões e tem em carteira cerca de R$ 40 milhões e 50 clientes. A meta é fechar 2023 com R$ 100 milhões. “Somos uma fintech e utilizamos outras instituições que fazem banking as a service; não somos um banco e nem temos licença. Talvez, eventualmente, mas hoje somos um agente do mercado de capitais, fazendo um trabalho de securitização”, define.
Kalef argumenta que essa é uma forma de tirar peso do setor bancário.
De fato, o Banco do Brasil (BB) é considerado a instituição financeira que mais financia o agronegócio brasileiro. Conforme explicou o vice-presidente de agronegócios do BB, Luiz Gustavo Lage, o banco destinará cerca de R$ 240 bilhões (US$ 50 bilhões) para diversos instrumentos de financiamento ao setor.
Você tem que entender o agronegócio
Em linha com os desafios apontados por Kalef, quem trabalha nessa área deve entender que a agricultura é muito diferente de outras indústrias. Isso também significa compreender que o produtor corre riscos climáticos e pode ter contratempos na evolução das lavouras.
Gustavo Foz atua no mercado de crédito há 20 anos e viu na agricultura uma oportunidade de negócio. Em 2020, com um sócio, lançou o agfintech Culttivo com o objetivo de melhorar a concessão de crédito aos produtores, principalmente os pequenos, que, normalmente, não têm tanto acesso a bancos. Hoje, a Culttivo atua na cafeicultura, área de ciclo longo e bastante vulnerável ao clima, mas o fundador conhece bem o assunto: o pai foi produtor rural e ele trabalhava no agronegócio em uma mesa de operações.
“Acho que dar crédito à agricultura é um desafio, pois é preciso conhecer todas as suas particularidades”, diz Foz, CEO e cofundador da Culttivo. “Nosso maior diferencial é sermos uma fintech desenvolvida para o produtor e não para a cadeia produtiva, como é a grande maioria das teses das demais agfintechs. Nós não. O produtor pega o crédito conosco; o produtor é meu cliente”, diz.
Na mesma linha, a TerraMagna foi criada como uma empresa puramente tecnológica oferecendo um sistema de análise de risco para financiamento agrícola. “Há uma grande falta de capital na área, porque durante muito tempo tivemos subsídios que afastavam os bancos. Há também uma percepção — não totalmente equivocada — do risco ligado à agricultura, porque, de fato, é fácil perder dinheiro sem conhecer o negócio”, destaca Bernardo Fabiani, cofundador e CEO da TerraMagna.
No fm de 2020, a TerraMagna mudou sua estratégia para ir além e passou a usar sua própria tecnologia para oferecer financiamento. A primeira operação ocorreu em 2021 e foi de R$ 50 milhões (cerca de US$ 10 milhões). A TerraMagna oferece crédito para revendas de insumos, não tendo contato direto com o produtor.
“Estamos financiando a venda de insumos por meio de parceiros, que são quem vendem os produtos, porque tudo na agricultura é a prazo. Todos entregam o insumo no início da temporada e recebem o pagamento no final”, explica Fabiani. O desafio agora é gerar uma carteira de R$ 5 bilhões até 2026.
P2P para agricultura
Já a agfintech Campo Capital baseia sua atuação no crédito no modelo peer-to-peer no Brasil, conectando investidores a empreendedores rurais que sejam social e ambientalmente responsáveis. A startup foi lançada em junho de 2021 por Bruna Aguiar e as irmãs Isadora e Rafaela Caixeta.
“É uma plataforma P2P que conecta quem tem crédito com quem precisa de recursos. Fazemos uma análise de crédito muito criteriosa, com visita técnica à fazenda. Nosso objetivo é conectar fazendas que tenham algum nível de sustentabilidade financeira e socioambiental com quem quer investir na agricultura”, aponta Isadora Caixeta, cofundadora e CEO da Campo Capital.
Neste momento, a fintech está com dois processos seletivos abertos, focados em café e grãos, como a soja. Assim como a AgroPermuta, a Campo Capital não é uma instituição financeira. Caixeta define a startup como marketplace; e explica que dinheiro não fica na agfintech. Eles têm como parceiros o Banco Ribeirão Preto e a forma de pagamento Iugu.
As agfintechs, reforça Isadora Caixeta, nasceram para preencher a lacuna das necessidades de crédito agrícola e “porque os bancos não lhes apresentam as melhores soluções”. A carteira de crédito da Campo Capital é de R$ 4 milhões e pretende chegar a R$ 10 milhões até o fim deste ano.
“Lançamos uma linha de crédito de curto prazo. Os recursos vêm de pessoas físicas que investem. Cada operação tem rentabilidade, por exemplo, uma que lançamos tem rentabilidade líquida de 15,5% ao ano e os produtos são isentos de Imposto sobre Operações Financeiras (IoF) para pessoa física”, explica.
A Campo Capital recebeu uma rodada pré-semente no fim de 2022 de cerca de R$ 2 milhões ou cerca de US$ 500.000.