O setor financeiro na Colômbia está à frente daquela que será provavelmente a sua maior transição tecnológica em décadas, com o desenvolvimento de um modelo de open finance que irá interligar diferentes atores para agitar a sua concorrência. Mas embora bancos, fintechs e outras instituições procurem implementar regras claras, inspirando-se nas experiências de seus vizinhos, permanecem dúvidas sobre como o sistema funcionará.
O modelo impactará diretamente a indústria e a forma como ela distribui produtos por meio de seus canais digitais. Espera-se um aumento de estratégias inovadoras, como a personalização de serviços ou alianças com empresas tecnológicas e varejistas, de forma a atrair e reter usuários, que, sendo os novos proprietários dos seus dados transacionais, poderão ser tentados a mudar de oferta com mais facilidade.
Embora o principal objetivo do sistema, promovido pelas autoridades, seja capacitar os consumidores e oferecer-lhes melhores serviços, ainda há incerteza sobre quem, como e de que forma a informação será partilhada. Este tema foi central na discussão entre gestores e especialistas reunidos pela iupana na Mesa Redonda Executiva: “A oportunidade para o setor bancário na era dos dados abertos”, realizada em Bogotá, na Colômbia, no fim de maio.
“O problema central que vejo é como a lei está sendo implementada. Essa é a maior ressalva: como o supervisor vai definir a padronização da conectividade e dos processos, de forma eficiente e que promova a concorrência e as boas práticas”, alertou Hernando Rubio, CEO da Movii, fintech com ampla presença no País.
Rubio acrescentou que os últimos decretos da Superintendência Financeira da Colômbia (SFC), em vez de criar um padrão para todos os atores se conectarem ao sistema financeiro aberto, permitem que cada banco e/ou entidade emissora (como Movii) decida como se conectar e crie seu próprio sistema.
Desta forma, “o objetivo de baixar o custo da inovação para os novos disruptores não seria alcançado, porque teriam de gastar todo o dinheiro que têm para se conectarem-se a A, B, C ou D para operar”, assinalou Rubio, sublinhando que “esta é uma ameaça muito grave”.
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Regulamentação incompleta
Em fevereiro, a SFC publicou a Circular Externa 004 de 2024, com o objetivo de estabelecer as regras e os padrões gerais para a implementação do open banking no país. Esta circular também orienta sobre segurança cibernética para troca de dados, promovendo a colaboração entre entidades financeiras e prestadores de serviços tecnológicos. No entanto, até o momento, não foram emitidos os critérios técnicos necessários para interligar os diferentes intervenientes no ecossistema, nem foi definido como os dados serão centralizados.
Para Karol Benavides, líder de open finance do ADL Digital Lab, do Grupo Aval, isso será corrigido mais cedo ou mais tarde. Segundo ela, a Unidade de Projeções Regulatórias e Estudos de Regulação Financeira (URF) do país foi informada desta falta de regulamentações importantes.
Recentemente, “bancos e fintechs têm promovido a ideia de que é necessário um registo centralizado para o registo dos TPPs (técnicas, tácticas e procedimentos), uma vez que a carga operacional pode ser muito pesada e não se pode deixar tudo para que o mercado se autorregule: cada um definiria, de acordo com seus interesses particulares”, garantiu.
Nesse sentido, Benavides mencionou que a URF reconheceu a relevância de um esquema de governança para o ecossistema de dados abertos e está avaliando fornecer este guia às entidades. iupana solicitou informações diretamente à URF e aguarda uma resposta.
No entanto, desenvolver um padrão que contenha tudo o que foi evidente até agora e que é necessário não será uma tarefa imediata. Os prazos de implementação ainda não foram definidos, o que é motivo de preocupação, pois o setor aguarda urgentemente orientações para poder avançar de forma coordenada.
“A regulamentação terá modificações e acréscimos no restante do ano, inclusive, a regulamentação do artigo 89 do Plano de Desenvolvimento Nacional (PND), em relação à obrigação que, em qualquer caso, não deve ser um impedimento para continuarmos avançando”, pontuou a especialista.
A obrigatoriedade (?) de open finance na Colômbia
Desde que se começou a falar sobre open banking na Colômbia, tem havido especulações sobre se o esquema é obrigatório ou não. Inicialmente, quando se debatia o open banking em 2022, ele foi definido como uma proposta voluntária pelo decreto 1.297.
Contudo, no ano passado, quando o novo governo do país elaborou o seu PND, introduziu o conceito de dados abertos, como um guarda-chuva que incluiria finanças abertas, dentro de um esquema obrigatório. No entanto, a dúvida reside no fato de a SFC, como supervisor do setor, não ter esclarecido isto nas suas circulares. Por isso, tem despertado confusão e posições a favor e contra no mercado.
“O que temos até agora não torna isso obrigatório. O PND o menciona em algumas de suas seções como obrigatório, mas hoje isso ainda está sendo discutido”, resumiu Javier Darío Martín, vice-presidente do departamento de operações e informática do Banco Falabella. Contudo, acrescentou que as discussões envolvendo a indústria visam, justamente, a torná-lo obrigatório.
Diante disso, Ana María Tobar, diretora de operações do ADL Digital Lab, contrastou essa perspectiva questionando se a falta de clareza sobre a obrigatoriedade está realmente atrasando o desenvolvimento do esquema. “Tenho visto que neste momento cada uma das entidades já está trabalhando sob o que está escrito”, disse.
“Embora os regulamentos ou as circulares não tenham um nível de detalhe como o que se viu em outros países, eles apontam as linhas mestras para que todos possam se preparar [...] por ora, está claro que todos nós temos temos que avançar nessa direção”, acrescentou Tobar.
Tatiana León, product owner do Departamento de Experiência Digital e Canais da Davivienda, concordou e acrescentou que considera que o fato de haver uma boa recepção por parte da indústria se deve mais a uma procura de dinamismo, numa altura em que a oferta fintech cresce.
Basicamente, trata-se de dois cenários: “você entra no ônibus em que está toda a concorrência e vê como aproveita ou começa a ficar para trás em um modelo tradicional”, disse.
Empoderamento de entidades menores
A abordagem geral do open banking no país cafeeiro é que o principal beneficiário de tudo deve ser o consumidor final. No entanto, os especialistas presentes à mesa identificaram que as empresas de menor porte também podem ser favorecidas.
Por exemplo, entidades como o Bancoldex, banco de tamanho intermediário que centra os seus serviços no segmento empresarial, espera poder aumentar o ritmo da sua concessão, ao dispor de informação adicional para analisar perfis potenciais, explicou Fernando Duarte, executivo de inovação da entidade.
“No canal de neocrédito que temos no banco é uma oportunidade muito grande, porque facilita a vida do microempreendedor quando ele precisa acessar o sistema financeiro”, comentou Duarte. “Temos que entender que os dados são do cliente e para o cliente, permitindo-lhe traçar um perfil e melhorar a sua vida creditícia. Com o tempo, isto permitirá ao sistema financeiro assumir uma visão holística e mudar a forma como analisa as empresas. Não podemos medir um microempreendedor com as mesmas regras de uma grande empresa, porque ele nunca terá acesso ao crédito”, afirmou.
Em linha com esta visão, Ernesto del Villar, diretor de tecnologia da empresa neofinanceira Iris, destacou a importância da tecnologia e dos dados para alcançar um sistema bancário aberto, verdadeiramente inclusivo, num país que, embora tenha uma elevada taxa de bancarizados (90%), ainda existe uma lacuna de crédito significativa: 64% dos colombianos não têm acesso ao crédito, um indicador ainda mais escasso em empresas e microempresas.
“As oportunidades são enormes. Com open finance, estamos sendo específicos quanto aos modelos de dados e à granularidade necessária, que é muito mais valiosa e precisa do que a informação documental tradicional. Isso facilita a análise dos pequenos negócios, democratizando o acesso ao crédito e beneficiando todo o ecossistema”, explicou del Villar.
Os participantes na mesa redonda concordaram que a concorrência obrigará as instituições a serem mais criativas e a utilizarem a sua capacidade de inovação para gerar melhores experiências aos clientes.
Isto também significará uma mudança no centro da identidade bancária, como outrora o cofre das informações dos clientes. “As empresas que prestam serviços financeiros dirão: por que devo compartilhar minhas informações? Mas você tem que entender que esta informação não é sua. Seja qual for o seu banco ou qualquer outra entidade, a informação pertence ao usuário”, disse León.