O chamado ERP Banking está se tornando uma tendência promissora, desenvolvida em um ambiente de finanças abertas e inteligência artificial (IA) para gerar finanças muito mais preditivas. Se, por exemplo, o ERP, que processa os dados das cadeias de valor com uma visão abrangente do negócio, souber quando será necessário aumentar o fluxo de caixa, é possível que as instituições financeiras ofereçam uma linha de crédito contratada diretamente pelo sistema.
É um nicho com cada vez mais espaço para exploração e utilização, com o Brasil na liderança e abrindo caminho para produtos inovadores, como investimentos, seguros, previdência e câmbio.
Tudo gira em torno de um software de gestão, diz Eduardo Neubern, diretor-executivo da TOTVS Techfin, fintech da empresa de tecnologia especializada em sistemas de administração de negócios. “Toda transação financeira realizada começa ou termina no software de gestão. Tudo está interligado no ERP”, destaca.
“Sabemos exatamente quando o caixa vai faltar e o momento exato de atender ao cliente”, acrescenta.
No ano passado, o Itaú Unibanco anunciou pagar R$ 610 milhões à TOTVS para ter uma participação de 50% na TOTVS Techfin. O objetivo da joint venture, que ainda aguarda autorização do Banco Central do Brasil (BCB), é a distribuição de serviços financeiros integrados a sistemas de gestão, impulsionados pelo uso intensivo de dados e voltados para clientes empresariais e toda a sua cadeia de fornecedores, clientes e funcionários.
Em 2020, a Stone Co., controladora da adquirente Stone, comprou a Linx, empresa brasileira de software de gestão focada no setor de varejo. Mais tarde, em 2021, a empresa de ERP Omie adquiriu o banco digital Linker, com planos de aumentar sua oferta de serviços bancários, de crédito e cobrança.
Da mesma forma,em 2022, Bradesco e SAP Brasil anunciaram parceria para desenvolver uma plataforma que se chamará BradescoOne, cujo objetivo é integrar de forma rápida e eficiente os serviços do banco à solução SAP Business One, voltada para pequenas e médias empresas (PME).
Convergência esperada
As empresas que trabalham na convergência entre ERP e serviços financeiros estão focando em criar operações muito mais fáceis para os clientes, sejam eles grandes ou pequenas empresas. Segundo Marcelo Queiroz, líder de estratégia e novos negócios da ClearSale, empresa de prevenção de estornos e fraudes, “é natural buscar algo mais integrado, fluido e sem atritos”.
Na América Latina, os especialistas ouvidos pela iupana afirmam que o Brasil está mais longe nesse caminho, gerando aprendizados em um momento em que o restante da região desenvolve seus próprios esquemas de intercâmbio de dados. Analistas veem alianças entre empresas de tecnologia e finanças como oportunidades ganha-ganha e acrescentam que open finance será um acelerador, pois permite agregação de contas, iniciação de pagamentos e movimentação de transações a partir de uma única tela e a poucos cliques de distância.
“Isso vai reformular a experiência que os clientes B2B terão, pois, ao somar os dados do open finance aos do ERP, é possível ter um nível de certeza que é como se você tivesse o dedo no pulso da empresa”, diz Bruno Diniz, professor do MBA da USP/ESALQ e sócio da consultoria Spiralem.
Por sua vez, Fernanda Ferraz, responsável pela Wiipo, fintech que é spin-off da empresa de software de gestão empresarial Senior Sistemas, afirma que o ERP Banking é tendência, porém ainda falta maturidade entre os clientes para converter os dados transacionais — que estão no ERP — em dados relevantes para a tomada de decisão. “Tem uma parte importante: antes o banco não ligava muito para o sistema de ERP do cliente, mas, cada vez mais, os bancos estão nos procurando. Entendemos isso como uma oportunidade”, afirma.
A executiva garante que há mais eficiência operacional quando as transações financeiras são feitas por meio do ERP, pois são mais rápidas, seguras, fáceis e com menos pessoas fazendo trabalhos manuais. Ela cita como exemplo a administração de contas a receber, a emissão e conciliação de boletos. "É um produto simples que traz uma grande melhoria operacional."
Thiago Ferreira, head de produtos ERP BackOffice da Senior Sistemas, concorda que essa integração de atores agiliza processos e, dependendo do porte das empresas, reduz o número de profissionais envolvidos em tarefas que podem ser automatizadas. “Há um ganho enorme no processo de tomada de decisão, que se torna mais ágil para os usuários que passam a ter um único ponto de acesso”, afirma.
O ERP é o novo internet banking?
Toda a conversa em torno do ERP Banking é algo que está acontecendo em tempo real e está em construção. A Omie é uma dessas empresas no centro do movimento. A plataforma ERP fundada em 2013 oferece serviços financeiros e soluções bancárias, como contas digitais, cartões de crédito e gerenciamento de contas a receber para cerca de 115.000 PMEs.
Desde o princípio, oferece emissão de boleto bancário por meio do ERP. “A emissão de boletos é algo que tradicionalmente tem muito atrito, mas trabalhamos para que o cliente o emita com um único clique”, diz Gabriel Siqueira, diretor de Tech Ventures da Omie.
A Omie começou com a geração de boletos, registrados em tempo real, por meio de APIs, reduzindo o trabalho de ir ao banco — físico ou virtual — para emiti-los. A partir daí, evoluiu para outras funções, incluindo transferências, pagamentos de contas, impostos e PIX. “Um dos grandes desafios dos empreendedores é fazer a conciliação e, quando você traz as soluções financeiras para o sistema ERP, já está tudo conciliado, o que gera uma redução significativa de tempo gasto, além de uma melhor visão do fluxo de caixa e um salto na produtividade", acrescenta Siqueira.
Em 2021, a aquisição do Banco Linker representou uma estratégia complementar à sua visão de unir produtos financeiros e administrativos. “Quando começamos a entender mais sobre a vida financeira da empresa, por meio de ferramentas de gestão, fica mais fácil fazer a análise de crédito”, explica Douglas Henrique Garcia, gerente de produtos da Linker. Atualmente, além da Linker, a Omie possui alianças com bancos (como o Itaú) e fintechs para ampliar seu portfólio de ofertas.
Avance com open finance
As finanças abertas devem promover ainda mais a sinergia entre bancos, fintechs e ERP. “Tanto open banking quanto open finance têm seus momentos, mas contribuem muito, sobretudo, na oferta de produtos, porque combinam as informações do cliente dentro do ERP com seu comportamento nos bancos — que antes só os bancos conheciam”, acrescenta Fernanda Ferraz, head da Wiipo.
Para Ferraz, um dos principais desafios do ERP Banking é grandes bancos disponibilizarem APIs abertas e compartilharem informações. Nesse aspecto, as fintechs levam uma certa vantagem, pois já nasceram digitais, o que facilita a integração.
É o caso da TOTVS Techfin, cujo diretor-executivo diz que as integrações, embora não dependam de open finance, ganharão escala com a abertura de modo a oferecer ofertas inteligentes baseadas em dados.
A gigante brasileira do software é licenciada pelo Banco Central como sociedade de crédito direto (SCD) e tem permissão para oferecer crédito a seus clientes por meio de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC). Com a associação com o Itaú, espera aumentar o capital, tendo acesso a uma fonte de financiamento mais acessível, previsível e eficiente, segundo o Eduardo Neubern.
Atualmente, a TOTVS Techfin oferece linhas de crédito e antecipação de contas a receber, que podem ser processadas em três cliques. Eles também automatizaram 10 milhões de folhas de pagamento de 9 mil empregadores.
A associação com o Itaú foi aprovada pela Comissão de Valores Mobiliários em novembro passado e aguarda a aprovação do BCB. A TOTVS Techfin foi criada em 2019 com o objetivo de ampliar o acesso dos clientes TOTVS aos serviços financeiros, inicialmente com ofertas de soluções de pagamento. Há cerca de dois anos, ampliou seu portfólio de serviços, o que chamou a atenção dos bancos. "Estamos entrando no nosso quarto ano, estamos na fase de expansão, de crescimento da oferta; e foi nesse contexto que aconteceu a joint venture com o Itaú, fizemos parceria com o maior banco da América Latina para fazer mais coisas", disse resume Neubern.
Quem vai ganhar?
Essa é uma pergunta difícil e tudo depende de como as oportunidades são gerenciadas. Segundo os entrevistados, o uso dos dados, com o consentimento dos usuários, gera ofertas cada vez mais adequadas e mais personalizadas, que, juntamente com ferramentas de IA, geram modelos preditivos e contextualizados. Isso levará ao desenvolvimento de aplicativos matadores, decisivos para consolidar uma tendência.
Para o consultor Bruno Diniz, há espaço para as fintechs “jogarem o jogo” e ele enfatiza que não é preciso uma única empresa fazendo tudo, sendo um espaço propício para buscar parcerias. “Estamos caminhando para um ambiente em que plataformas com melhor experiência de usuário e melhor entrega serão o principal ponto de contato. Haverá uma briga entre os players para ver quem terá o relacionamento diário com o cliente. A estratégia do ERP Banking é também uma forma de ir além dos bancos”, explica.
O financiamento preditivo é um caminho próximo e possível, mas é preciso tomar medidas. “É algo sobre o qual conversamos há muito tempo. Quando começa a aportar inteligência, torna-se não apenas reativo. É ver o que a empresa precisa e, quando se consegue antecipar, agrega-se valor ao negócio”, resume Ferraz, responsável pela Wiipo.
Já existem soluções que fornecem previsões integradas ao ERP, identificando, por exemplo, se o cliente terá uma lacuna no fluxo de caixa, o que exigirá um adiantamento para superar o período em que a operação se tornará crítica.
“Trabalhamos há aproximadamente dois anos com a ferramenta insights e hoje ela já atua em diversos módulos do ERP, como fiscal e contábil. Agora estamos trabalhando para conectar essa inteligência ao setor bancário; e o ERP Banking abriu caminho para personalizar a oferta de serviços financeiros para o cliente, muito em linha com a previsão, para oferecer o que é mais importante para o cliente”, acrescenta Ferreira, da Senior Sistemas.